quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Esclarecer para melhor viver

No Dia Mundial de Luta contra Aids, estudantes de Petrópolis (RJ) esclarecem suas dúvidas com o CRIM UFRJ – Macaé


por Alice Gonçalves de Souza, Fernanda Lacerda da Silva Machado, Kelly Monteiro de Barros e Vanessa Lacerda da Silva Rangel

Por que falar sobre Aids ainda é um assunto importante? Especialmente entre os jovens e adolescentes, será que, na sociedade da informação dos dias atuais, faz-se necessário discutir esse tema? Essas foram as perguntas da professora de Língua Portuguesa Vanessa Lacerda da Silva Rangel, ao trabalhar com os alunos do 9º ano o livro autobiográfico “Depois daquela viagem”, de Valéria Polizzi. “Ao lermos a história de uma adolescente que contraiu Aids na primeira relação sexual, pude perceber o quanto esse assunto está distante dos jovens atualmente”, conta a professora, após constatar que a principal preocupação dos alunos, quando o assunto é sexo, resume-se à gravidez indesejada. Ao longo dos anos, o medo de se contrair o HIV, muito comum nas décadas de 1980 e 1990, foi pouco a pouco diminuindo, graças aos avanços no tratamento. No entanto, é preciso alertar jovens e adolescentes sobre os riscos das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). “Conforme a leitura avançava, percebi que havia muitas dúvidas a respeito da Aids. Por isso entrei em contato com o CRIM UFRJ – Macaé, em busca da ajuda para responder aos questionamentos dos alunos”, explica Vanessa, já que um dos objetivos do trabalho com o livro era oferecer informações confiáveis para orientação dos estudantes. 

Confira, a seguir, algumas das perguntas que surgiram durante o trabalho com o livro:

1. Se não for pelo exame, quais as evidências de que uma pessoa tem Aids? Como podemos perceber?

Não é possível perceber só olhando para alguém se ela tem ou não o vírus.  A única forma de saber é através do exame de sangue específico para o vírus.  O teste pode ser realizado no mínimo após 30 dias da exposição ao vírus. Isso porque a produção de anticorpos pode demorar de 3 a 12 semanas para atingir níveis detectáveis pelos testes utilizados rotineiramente.

Aqui no Brasil, os testes são realizados de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde, tanto nas unidades da rede pública como nos Centros de Testagem e Aconselhamento. Para saber onde fazer o teste basta ligar para o Disque Saúde pelo número 136. Quanto mais cedo a pessoa descobrir que é portadora do vírus, melhor será a resposta ao tratamento e mais qualidade de vida ela terá.  Atualmente, uma pessoa tratada corretamente pode viver tanto quanto alguém que não tem o vírus.

2. Quanto tempo leva, depois de ter contato com o vírus, para pessoa perceber que está doente?

Pode demorar muitos anos até que uma pessoa com vírus descubra que é portadora. Isso porque a infecção por HIV se desenvolve em três estágios:

1º. Infecção aguda: é a etapa inicial de contato com vírus. De 2 a 4 semanas após a infecção, a pessoa pode apresentar sintomas parecidos com o de um resfriado, como febre, dor de garganta, manchas vermelhas no corpo e cansaço. Estes sintomas em geral não servem de alerta para o HIV porque podem ocorrer em muitas outras viroses. Estes sintomas podem durar até 3 semanas. Algumas pessoas podem nem apresentar sintoma algum. Nesta fase a quantidade de vírus circulando é alta e, portanto, o risco de transmitir é grande.

2º. Latência clínica ou assintomática: nesta etapa, o sistema de defesa do corpo consegue controlar a multiplicação do vírus. Assim, as pessoas podem viver anos com o vírus sem ter nenhum sintoma. Esta fase pode até durar mais de 10 anos.

3º. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: fase mais severa, o sistema de defesa já está bem comprometido. Os sintomas nesta fase incluem tremores, febre, suor, gânglios linfáticos inchados, fraqueza e perda de peso. A imunidade baixa permite o surgimento de doenças oportunistas, que são aquelas que ocorrem quando as defesas estão enfraquecidas. Assim, nesta fase o paciente pode apresentar hepatites, tuberculose, pneumonia, toxoplasmose e alguns tipos de câncer. Sem tratamento, a pessoa com Aids vive aproximadamente 3 anos.

Por causa dos sintomas iniciais inespecíficos e do longo período sem qualquer manifestação do vírus, não se pode esperar que os sintomas surjam para fazer o teste. Todas as pessoas devem fazer o teste como parte de seus exames de rotina e principalmente se tiveram algum comportamento de risco.

3. Como se dá a contaminação do paciente? Por que algumas pessoas que tiveram contato com o vírus não ficaram doentes?

O HIV pode ser transmitido por fluidos corporais como sangue, líquido pré-seminal, sêmen, secreções anais e vaginais e através do leite materno. Para que haja a transmissão, o vírus deve entrar em contato com tecidos danificados, mucosas (revestimento presente na boca, ânus, vagina e pênis) ou ser injetado na corrente sanguínea de outra pessoa. A contaminação geralmente se dá através do sexo sem uso de preservativos e pelo compartilhamento de agulhas e seringas, mas também pode ocorrer na gravidez e transfusões sanguíneas. 

A quantidade de vírus circulante, chamada de carga viral, é um importante fator de risco na transmissão. Estudos feitos com casais onde somente um dos parceiros era portador do vírus indicam que a taxa de transmissão é baixa se o parceiro soropositivo tiver supressão viral, que ocorre quando o vírus não é detectado no sangue. Por isso também é importante que as pessoas HIV positivas sigam corretamente o tratamento, pois desta forma é possível reduzir a chance de transmissão do vírus.

Outro fator que também interfere na transmissão é a existência de outra doença sexualmente transmissível (DST). Acredita-se que a ocorrência de outras DSTs aumente o risco da infecção pelo HIV ao provocar lesões que facilitem a entrada do vírus ou ainda por aumentar o número de células de defesa nos genitais e no reto, que são as principais células atacadas pelo HIV.

4. Os anticoncepcionais contribuem de alguma maneira para se evitar a contaminação?

Evidências atuais não associam o uso de anticoncepcional com alterações na carga viral do HIV, ou seja, os anticoncepcionais além de não evitarem a contaminação, não diminuem as possíveis manifestações e avanço da doença após a transmissão do HIV.  Ao invés de protegerem, alguns estudos sugerem que o uso de anticoncepcionais injetáveis contendo acetato de medroxiprogesterona está associado a um risco maior de infecção por HIV. Acredita-se que este fenômeno ocorra devido a alterações vaginais provocados pelo anticoncepcional deixando mais vulnerável a penetração do vírus. 

Vale destacar que alguns medicamentos utilizados no tratamento do HIV podem interferir na segurança e na efetividade dos anticoncepcionais. 

Portanto, é importante usar sempre o preservativo, o método mais eficaz para prevenir doenças sexualmente transmissíveis (DST), como a AIDS, sífilis, gonorreia e outras. Ao contrário do que muitos pensam, a camisinha é impermeável, ou seja, não há vazamento de líquidos corporais, desde que a mesma seja manuseada de forma correta. Estudos demonstram que o uso de preservativos oferece 10 mil vezes mais proteção contra o vírus da AIDS do que a não utilização deles.

Uma outra forma de prevenção é o uso diário de medicamento contra o HIV por pessoas não infectadas, a chamada profilaxia pré-exposição. No Brasil, esta medida polêmica ainda está em fase de implementação no Sistema Único de Saúde. É uma estratégia que visa reduzir a chance de infecções em pessoas com risco elevado de contaminação, como por exemplo, pessoas que tem relações sexuais com parceiros HIV positivos.

5. Se uma mulher grávida tiver Aids necessariamente o bebê será contaminado?

A transmissão do HIV da mãe para o filho é chamada de transmissão vertical. Essa transmissão pode ser evitada, por isso é importante que toda gestante faça o teste do HIV para receber tratamento adequado e cuidados especiais para evitar a contaminação do bebê. 

Há também alguns cuidados que podem ser adotados durante o parto, como o tipo de parto e escolha do material cirúrgico, porém esses cuidados dependem de fatores como carga viral da mãe, tratamento realizado durante a gravidez e outras doenças. Por isso é importante o acompanhamento médico, para que juntos possam tomar as melhores decisões com o objetivo de evitar a transmissão vertical.

Além disso, o recém-nascido também deve fazer uso dos medicamentos por 6 semanas após o nascimento. É recomendado ainda que a mãe não amamente o filho, pois o HIV é transmitido pelo leite. Seguindo todos os cuidados durante o pré-natal, parto e pós-parto, as mães soropositivas têm 99% de chance de terem filhos sem o HIV.

6. Durante o tratamento com o coquetel, há alguma consequência visível dos efeitos colaterais dos remédios (ex: perda de peso, queda de cabelo)?

O tratamento para combater o vírus traz muitos benefícios aos pacientes, porém podem causar alguns efeitos adversos. Os mais frequentes são: diarreia, vômitos, náuseas, manchas vermelhas pelo corpo, insônia e sonhos vívidos. Entretanto, existem pessoas que não apresentam todas estas reações, tudo depende das características pessoais, estilo e hábitos de vida. Além desses efeitos, o paciente pode sofrer algumas alterações, que resultam tanto da ação do vírus como dos efeitos tóxicos causados pelos medicamentos, como por exemplo: danos aos rins, fígado, ossos, estômago, intestino e algumas mudanças metabólicas, podendo provocar diabetes, lipodistrofia, que para muitos pacientes, é o pior problema relacionado à doença, entre outras. 

A lipodistrofia consiste na mudança na distribuição de gordura pelo corpo, podendo ocorrer afinamento de braços, quadris e pernas, perda de gordura nos glúteos e aumento na região abdominal, no peito e nas costas. Essas alterações podem aparecer juntas ou isoladas, e ainda há casos em que a gordura diminui em algumas partes do corpo e aumenta em outras. As alterações mais graves podem ser corrigidas através de cirurgias plásticas que são disponibilizadas gratuitamente e pode ser encontradas em várias unidades da rede pública de saúde de todo país. 

Os pacientes que fazem uso de medicamentos contra o HIV devem ficar atentos a qualquer mudança no corpo, e caso aconteça, devem conversar com o médico que faz o acompanhamento. É muito importante relembrar que esses efeitos adversos não acontecem em todas as pessoas e existem maneiras para melhorá-los. Vale destacar ainda que o paciente não deve abandonar o tratamento, pois pode ocorrer resistência do vírus ao medicamento.

7. Por que as chances de contrair a doença via sexo anal são maiores?

Acredita-se que o risco de transmissão da doença por meio de sexo anal é maior que o vaginal porque o tecido da região do reto é mais frágil e, portanto, mais sensível à pequenos traumas durante a relação, fato que poderia facilitar o contato com o vírus. Vale destacar que o risco de contaminação é maior para o receptivo do que para o insertivo. Entretanto, pode ocorrer transmissão nos dois casos.

8. Quais as chances de uma pessoa contrair Aids praticando sexo oral?

Inicialmente cabe fazer um esclarecimento. O HIV é o vírus da imunodeficiência humana e a Aids, a sigla em inglês para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, é o último estágio da infecção pelo vírus. Assim, uma pessoa pode ter o vírus, mas ainda não ter Aids. A maioria das pessoas vive por anos sem apresentar sintomas ou desenvolver a doença.

Em relação à transmissão do HIV por sexo oral, considera-se que o risco é pequeno, mas não é inexistente. Isso porque, além do sangue, o vírus se distribui no fluido vaginal, no líquido pré-seminal e no sêmen. Aí pequenos machucados na boca, inflamação na garganta ou doenças nas gengivas, mesmo que não sejam visíveis, podem servir de porta de entrada para o vírus. Por isso é importante se prevenir sempre em toda relação sexual. Para o sexo oral, os homens devem usar camisinha e as mulheres podem usar a camisinha feminina, camisinha masculina cortada ou ainda filme de PVC. Tanto a camisinha masculina como a feminina são distribuídas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde.

9. A única forma de transmissão do vírus é pelo sangue ou, pela saliva, por exemplo, isso também pode acontecer?

O HIV pode ser transmitido por meio de relação sexual, compartilhamento de seringas e durante a gravidez e amamentação. O vírus se distribui no sêmen, líquido pré-seminal, fluido retal, vaginal e no leite. Não há evidências de transmissão pelo ar, água, saliva, suor, lágrimas, insetos, animais de estimação ou compartilhando banheiro.

A transmissão também pode ocorrer por meio de transplante de órgãos ou transfusões de sangue, entretanto, com o desenvolvimento dos testes de identificação do vírus, as chances para estes casos são consideradas raras. 



São muitas as razões, portanto, que mostram a importância do dia 1º de dezembro enquanto um momento para se falar sobre esse assunto. Para o CRIM UFRJ – Macaé é uma oportunidade para destacar que, apesar dos avanços no tratamento, a infecção pelo HIV ainda é um importante desafio. De acordo com a UNAIDS Brasil, em 2015 havia 830 mil pessoas vivendo com HIV no país. O vírus foi responsável por cerca de 15 mil mortes e ocorreram em torno de 44 mil novas infecções somente em 2015. Assim, é importante que todos, independente de classe social, cor, idade e gênero, estejam bem informados sobre o tema para que se cuidem adequadamente.

Revisado por: Denise de Oliveira Guimaraes, Juliana Givisiéz Valente, Samantha Monteiro Martins e Thaísa Amorim Nogueira.

Referências:
1. CDC (Centers for Disease Control and Prevention). HIV/AIDS. Atlanta, USA. 2016 Disponível em < http://www.cdc.gov/hiv/basics/whatishiv.html> Acesso em 25 nov. 2016. 
2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids Recomendações para Profilaxia da Transmissão Vertical do HIV e Terapia Antirretroviral em Gestantes. Brasília, 2010.
3. Ministério da Saúde. Departamento de IST, AIDS e Hepatites Virais. AIDS. Brasil. Disponível em: . Acesso em 25 Nov. 2016.
4. UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância); Ministério da Saúde; Programa Nacional de DST e AIDS.  Como prevenir a Transmissão vertical do HIV e da Sífilis no seu Município. Brasília, 2008.
5. Fauci AS, Lane H. Human Immunodeficiency Virus Disease: AIDS and Related Disorders. In: Kasper D, Fauci A, Hauser S, Longo D, Jameson J, Loscalzo J. eds. Harrison's Principles of Internal Medicine, 19e. New York, NY: McGraw-Hill; 2015.
6. AMERICAN SOCIETY OF HEALTH SYSTEM PHARMACISTS; DYNAMED. HIV Infection. Disponível em: . >. Acesso em 25 Nov. 2016.
7. UNAIDS Brasil. Disponível em: < http://unaids.org.br/>. Acesso em 25 Nov. 2016.
8. BYRNE, E. H. et al. Association between injectable progestin-only contraceptives and HIV acquisition and HIV target cell frequency in the female genital tract in South African women: a prospective cohort study. The Lancet Infectious Diseases, v. 16, n. 4, p. 441–448, 2016.



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